quarta-feira, 15 de abril de 2015

O Homem que não quis ser Rei dos Pachecos e o Príncipe das Astúrias



Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama


Rubens Barrichello chegou à F1 como um nome em ascensão no automobilismo mundial. Não foi campeão da última categoria de acesso (a F3000 – coisa que dois outros brasileiros conseguiram, entre eles o principal rival de Barrichello, Christian Fittipaldi), mas foi campeão de F3 inglesa (vencendo o escocês David Coulthard) além de inúmeros títulos no Brasil, especialmente no kart. Mantendo seus patrocinadores até chegar à F1, Barrichello assinou seu primeiro contrato na categoria em fins de 1992 com a também jovem e emergente equipe Jordan.

A tarefa de Barrichello era bem suave: estrear sem perder de muito do rival Fittipaldi, então na modesta Minardi. Acima deles dois e todos os demais, pairava o brilho de Ayrton Senna, na época três vezes campeão mundial, 36 vitórias em GPs e 61 poles (recorde histórico da categoria). 

Não havia espaço para outro piloto brasileiro no mercado da F1 e nos corações e mentes dos fãs.

Barrichello cumpriu apenas parcialmente sua missão em 1993, seu ano de estreia. Teve grandes performances na chuva (em Donington Park, andou entre os ponteiros). Numa temporada caótica para a Jordan (que chegou a ter pilotos como Marcos Apicella) só chegou aos pontos (2 pontos, 5º lugar) na penúltima etapa do ano, no Japão. E para sua surpresa, um estreante na Jordan naquele dia chegou logo atrás de Barrichello em 6º lugar, ganhou seu primeiro ponto na F1, além de sopapos do vencedor Senna (que foi, ousadia, fechado pelo estreante durante a prova). No dia dos primeiros pontos de Barrichello, a F1 só falava do estreante maluco, Eddie Irvine (Irlanda).  Fittipaldi pontuou já na primeira etapa do ano, 4º lugar na África do Sul, e ficou à frente de Barrichello no Mundial. Senna fez sua melhor temporada e com um carro nitidamente inferior disputou o título até o fim, venceu 5 GPs (incluindo vitórias épicas em Donington Park e Interlagos), quebrou o recorde de Graham Hill em Mônaco ao vencer pela 6ª vez e até conseguiu uma inacreditável pole na Austrália.

Em 1994, Rubens tinha a chance de, com uma Jordan mais amadurecida e um motor Hart mais confiável, fazer uma temporada melhor, ao lado do estreante maluco Irvine, mantido pela equipe. Ninguém esperava mais do que isso. Christian Fittipaldi permanecia na F1 e numa equipe melhor que a Minardi, a Footwork. E Ayrton Senna? Estava simplesmente no carro de outro mundo.

Com Senna e sem mudanças no regulamento, a Williams vencerá 16 das 16 etapas”, alertou o chefe da Benetton, Flávio Briatore. Claro – o regulamento foi mudado.

Colocando em perspectiva as expectativas da torcida brasileira sobre Rubens Barrichello para 1994, o que se esperava era uma temporada mais sólida que a anterior, quem sabe pontuando com mais frequência e vencendo Fittipaldi na tabela de pilotos.

Barrichello fez tudo isso, e mais.

Na estreia foi o 4º colocado. Surpreendentemente, Senna errou, cedendo a vitória a Michael Schumacher (Benetton). Barrichello, por 1 corrida, era o melhor brasileiro no Mundial de F1. O que não era tão surpreendente, uma vez que Senna não pontuou na 1ª etapa em 1987, 1988 e 1989...Em 1989 inclusive foi superado em Jacarepaguá por Maurício Gugelmin numa modesta Leyton House.

Na 2ª corrida, GP do Pacífico em Aida, Japão, Senna sofre um acidente na largada. Barrichello, para surpresa quase geral, chega ao pódio, pela primeira vez na carreira. Barrichello era o melhor brasileiro na F1 naquele momento e estava em 2º lugar no Mundial de pilotos. Senna tinha três poles. Christian Fittipaldi tinha um 4º lugar também em Aida.

Superando suas expectativas, Barrichello chegou a Imola para a terceira etapa do Mundial de 1994.

E sofreu um horrendo acidente nos treinos livres. Por um triz, não morreu.

Na cama do hospital, Rubens saberia das mortes de Roland Ratzemberger no treino oficial e de seu ídolo Ayrton Senna, na 6ª volta da corrida.

Expectativas confusas pela dor da tragédia. Nélson Piquet, apoiador de Rubens, tenta colocá-lo na Williams substituindo Senna. Mal das pernas, a McLaren oferece um contrato de risco. A Jordan, por sua vez, nem pensou em chamar alguém para substituir Rubens após o grave acidente de Imola.

O que deveria ter feito Barrichello nesse momento decisivo de sua carreira?

Deveria abrir mão de suas próprias expectativas, que estavam se realizando pouco a pouco, e assumir as expectativas alheias (dos patrocinadores, TV Globo, parte da torcida brasileira e do próprio Max Mosley, que queria um brazuca numa equipe de ponta para tapar o buraco sem fim)?

Deveria arriscar a transferência para uma sofrível McLaren sofrendo com um pouco confiável motor Peugeot?

Deveria ficar na Jordan – uma equipe em ascensão?

Antes de Imola, Rubens estava na frente de Damon Hill, a outra Williams, e das duas McLaren no Mundial. Isso tem que ser lembrado e levado em conta.

Se fosse para uma Williams ainda rápida mas tristemente mortífera e pouco confiável, a trajetória de Barrichello na F1 seria dramaticamente abreviada. Além de um cockpit de ponta e um salário idem, Barrichello teria sua capacidade como piloto imediatamente reduzida e subestimada – numa comparação injusta que, nesse caso, seria inevitável, com Senna. Barrichello seria o esparadrapo pacheco tampando a ferida aberta eterna do herói nacional. Ou seria um vingador – um campeão subestimado, mas sempre inferior ao herói morto – ou seria chacota, incapaz de fazer jus à comparação, indigno de respeito. Barrichello tinha, então, menos de 20 GPs nas costas. A escolha implicava abrir mão de sua própria trajetória para virar um apêndice de Ayrton Senna.


No.1, “The Boss”


Na McLaren, a comparação seria menos dura que na Williams, mas existiria de todo modo. Senna venceu 35 de suas 41 corridas na McLaren e em 47 delas largou na pole position. Senna colocou a McLaren (ou a “maquelare”) no imaginário dos brasileiros de sua geração. Além de seu capacete inconfundível, as cores da Marlboro eram as primeiras que vinham à cabeça quando pensamos em Ayrton Senna – ainda hoje, 21 anos depois. Além disso, a McLaren estava com um pacote novo e sofrendo para não ser deixada para trás, não por Williams e Benetton, mas pela Ferrari e pela Ligier. A escolha da McLaren em 1994 seria dar um passo para trás – e num contrato de risco, sem nenhuma garantia de que haveria dois passos para a frente em 1995. Poderia ser o fim de uma breve carreira promissora na F1 (que fim levou Mark Blundell? – a Fórmula Indy).

Barrichello preferiu correr atrás da própria sombra e seguir a trajetória pretendida na jovem e ascendente Jordan. Com bons resultados e constância na pontuação, haveria natural interesse de equipes de ponta no futuro. Vencendo Irvine na Jordan e Fittipaldi na pontuação, naturalmente se tornaria o ídolo de uma nova geração de fãs brasileiros – uma vez que os que viram Ayrton correr jamais o trocariam por um sucessor. Sem queimar etapas, realizaria seus objetivos.


Rubens Barrichello: fiel aos próprios passos


Ainda em 1994, Barrichello fez uma surpreendente pole position, justamente na melhor pista da F1, uma que Ayrton Senna dominou com facilidade. E na chuva. A comparação foi inevitável. Mas digna.

Rubens Barrichello fez o Brasil voltar a sonhar na F1 em Spa”, disse então Galvão Bueno.

No fim do ano, Barrichello era o 6º colocado no triste Mundial de 1994. Pontuou em 6 das 15 etapas que disputou. Terminou à frente de Irvine e de Fittipaldi. Com um grave acidente que quase o matou, cumpriu todas as expectativas próprias – com sobras. Chegou ao pódio e fez uma pole.
É justo, coerente e imparcial lembrar que Barrichello preferiu as glórias de próprio punho a escrever sua história com as palavras e glórias alheias. Se desprezou os conselhos do Mestre Nélson Piquet e se preferiu ganhar menos dinheiro, menos GPs e menos elogios fáceis da mídia em troca da meritocracia, isso deveria ser motivo de admiração.


Mestre Nélson Piquet tentou dar uma mão para Barrichello...

Will Rauber fez um texto longo comparando a carreira de Rubens com a de outro grande fã de Senna, o espanhol Fernando Alonso (leia aqui). Apenas lembrarei:

Ayrton Senna foi campeão mundial na sua 5ª temporada. Assim como Fernando Alonso.
Ayrton Senna foi bicampeão mundial na sua 7ª temporada.
Fernando Alonso chegou lá em sua 6ª temporada.

Não há comparação plausível entre Alonso – o Senna espanhol – e Barrichello.


Fernando Alonso, o Ayrton Senna espanhol




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